- Nasce um bebê no Xingu. Todas as mulheres da oca se mobilizam. A mãe está cercada de cuidados e apoio.
- Nasce um bebê no sertão das Minas Gerais. A avó, a bisavó, as tias, a prima cercam a mãe de cuidados.
- Nasce um bebê numa aldeia africana. Numa tribo em Maui. Numa
cidadezinha no interior da Tailândia ou da Polônia ou da Inglaterra – a
cena se repete. Na favela da Zona Norte as vizinhas e a tia que mora na
laje de cima se encarregam de ajudar. E nas mansões dos jardins? Não são
mais a avó e as vizinhas, mas as duas babás, a enfermeira, a faxineira,
o motorista e o segurança.
Nasce um bebê em Copacabana, no
apartamento 1104. A avó está trabalhando em tempo integral. O pai só tem
cinco dias de licença. A vizinha do 1103 não só não ajuda, como sequer
conhece, e ainda reclama do choro noturno. E a empregada diz que só
ganha pra cuidar da casa. Ajudar à noite, nem pensar.
E aí temos
esse fascinante fenômeno social: a única mulher do planeta que é deixada
pra cuidar de um bebê sem nenhuma ajuda é a da classe media, urbana,
ocidental. Pior: ela achava que ia conseguir…
Mas essa
onipotência (culturalmente induzida, claro – e muitas vezes socialmente
exigida…) só dura até o 5o dia, quando muito. Na segunda semana a mulher
percebe que um bebê demanda demais. Precisa de atenção 24 horas,
permanente. Que os intervalos do sono não são suficientes para que ela
viva: descanse, almoce, tome um banho, respire, olhe pela janela, durma
meia hora, atenda ao telefone, responda um email. E os cuidados muitas
vezes exigem duas pessoas. Sem ajuda, é virtualmente impossível. A
amamentação facilita e muito o cuidado, já que não é preciso tratar de
mamadeiras, latas, esterilizadores e bicos. Mas é preciso tempo e
descanso para produzir leite. É o clássico bordão, muitas vezes
ignorado: um bebê só ficará bem se sua mãe estiver bem. Em alguns
momentos, é crucial que a mãe volte a ser mulher – um indivíduo separado
de sua filha, que precisa descansar, se cuidar, relaxar, pensar em
outras coisas. Ela precisa desses momentos como o bebê precisa do seu
leite.
Por isso, é preciso que tenhamos menos onipotência, e que
reconheçamos que vamos sim precisar de ajuda. Para isso, é necessário
planejamento: quem vai ajudar, como, quando. O pai vai segurar a onda
nas noites? Até quando? A avó pode mesmo ajudar? E os conflitos que
tantas vezes surgem nesse momento? Uma coisa é apoiar, acolher; outra,
se intrometer ou criticar – fronteira sutil e muitas vezes rompida de
forma inconsciente e perversa. A empregada vai cuidar da casa? Vai ter
comida pronta? O patrão vai respeitar e não ligar para falar de
trabalho?
Nos dias de hoje, a situação se complica ainda mais. Em
nossos tempos hiper-conectados, de distrações múltiplas e permanentes e
com enorme apelo, é dificílimo estarmos concentrados em uma tarefa.
Muitas vezes a futura mãe se ilude e acha que vai amamentar, trocar
fraldas, ver a novela, passar email de trabalho, estudar para o concurso
e postar no Facebook, ao mesmo tempo, já nos primeiros dias de vida do
recém nascido.
E como se a situação em si já não fosse complicada
o suficiente, aparecem outros obstáculos: o marido quer ensinar a
colocar o bebê no seio (com a melhor das intenções), dizendo que ela
está fazendo errado; a mãe (avó do bebê) diz “mas o que custa dar uma
mamadeirinha, ele chora tanto”; as amigas dizendo que pra elas foi muito
simples, que fizeram assim ou assado e que você está fazendo tudo
errado; a prima exibicionista cujo bebê dorme bem, mama bem e “não dá
nenhum trabalho”…. e a sociedade toda dizendo que se você não consegue
amamentar seu bebê e cuidar dele integralmente, é porque não tem
competência.
Reproduzo aqui um depoimento da Chris Nicklas em seu site:
“Amamentar é…” que descreve essa situação de forma muito concreta e emocionante:
“Tantas pessoas entraram na minha casa com a intenção de ajudar! Nossa,
nem sei dizer… Quantas realmente me ajudaram? Conto nos dedos!
Qual será o problema? Por que é tão difícil se abrir para enxergar o que o outro precisa?
Me recordo de uma situação em específico. Eu com o mamilo esquerdo
inflamado sofrendo por ainda sentir dores no aleitamento materno, apesar
dos meus filhos já estarem com três meses. As pessoas passando por mim
dizendo barbaridades do tipo:
- É assim mesmo, vai calejar…
- Dê a mamadeira! Olha o que você está fazendo com você mesma, pra quê?
- Dê o peito assim mesmo! Não pode estar doendo tanto assim!
As horas passando e o meu desespero aumentando. Minha consulta médica
já estava marcada. Mal eu sabia que estava com sapinho e por isso
voltava a ser dolorido amamentar. Meu estado emocional não me permitia
enxergar um palmo na frente do nariz!
Muito bem, numa certa altura
chega minha sogra em casa. Me olha e fica devastada com o meu estado.
Minha cara era de puro desconsolo. De repente ela me lança a seguinte
pergunta:
- Minha filha, o que você precisa? Me diga o que fazer para te ajudar…
Meus olhos se encheram de lágrimas. Uma pergunta tão simples e tão rara de se ouvir.
Ficamos ali nos olhando, enquanto meu coração transbordava de tantos sentimentos e emoções.”
O que a mulher precisa no momento da amamentação é apoio de verdade.
Apoio aberto, honesto e atento. Ela não precisa de crítica, ensinamentos
verticais, lições de moral ou prescrições autoritárias. Muito menos de
conselhos sobre mamadeiras. Ela precisa de espaço psíquico, tempo e um
mínimo de estrutura para se dedicar ao bebê. E de apoio técnico,
prático, de que falaremos mais adiante.
Aliás, esse é um
importante papel que o pai pode exercer nesse momento da vida familiar, o
nascimento de um filho. Tão ou mais importante quanto trocar fraldas,
ninar e dar banho, é garantir que o binômio mãe-bebê vai ter paz e
tranquilidade para se conhecer, se conectar, evoluir em direção a um bom
desenvolvimento e a uma amamentação bacana. Para isso, cuidar da casa, e
garantir que esteja em ordem; comida na geladeira e contas em dia;
atender o telefone e dar conta dos palpiteiros; receber as visitas e
oferecer as desculpas pois a mamãe agora está descansando… e estar
atento às necessidades da sua mulher.
Gosto de comparar a família
neste momento do ciclo vital com o átomo: no núcleo central, mãe e bebê
recém nascido – próton e nêutron – numa relação de simbiose e
magnetismo. Em torno deles, o elétron, não diretamente envolvido na
troca nutritiva mas fundamental no equilíbrio de energias, nas trocas
afetivas, no cuidado com a família."
Por Dr. Daniel Becker (médico pediatra)